sábado, 14 de janeiro de 2017

Viagem






Para viajar basta existir, lembra Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. Mas é preciso a poeira da estrada nos sapatos, é preciso que olhar mergulhe nas paisagens e não seja mais o mesmo da partida. Nesta viagem fui minha maior companhia, reencontrei-me com a estrada e suas curvas, com suas sensações e eu mesma não era mais a mesma, como se minha sombra tocando os novos caminhos fosse me fazendo ganhar outras formas. Disforme de mim, feita pelas viagens, sendo tocada pelos caminhos e pelos o que nele conheço, não ouso querer voltar atrás, quero apenas esse novo rumo, sem pressa e sem destino definido no bilhete que seguro entre as mãos. Quero esse tempo impreciso, entre a chegada e as inúmeras partidas, até que um dia, estejamos no mesmo lado da plataforma, do cais ou numa fila de check in, num lugar qualquer, pois não importa nem onde estamos, e agora nem quem somos, mas o que um dia poderemos ser, depois das distâncias e demoras, um no olhar do outro.


"Só há um modo de escapar de um lugar: é sairmos de nós.
Só há um modo de sairmos de nós: é amarmos alguém."
Excerto Roubado aos Cadernos do Escritor. Mia Couto. A Confissão da Leoa, 2012, p. 27.

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