terça-feira, 2 de setembro de 2008

Ruas de Sensações

Ruas de Sensações
“ A melhor maneira de sonhar é mediante livros.”
(Livro do Desassossego. Lisboa: Assírio & Alvim,2006).




Ao imaginar Lisboa, via ladeiras, janelas coloridas, fados e poesias....
Pensava desassossegos através das letras de um ajudante de guarda-livros até contornar os arredores d a cidade e dela fazer-me leitora deles nos textos colhidos pelas ruas, numa livraria folheando um livro de capa dura com o nome de Fernando Pessoa: Desassossegos seus? Meus?
Encontrando-a deparei-me com ruas movimentadas, tecidos em cores flanando ao ritmo do vento, os fados, as poesias e os lugares de Pessoa...



Marcas dos passos, casas habitadas, árvores que certamente cobriram não somente os caminhos por onde passou como o flanar de seus pensamentos, sentindo no rosto a proximidade do mar ...
Para ele, chamado Pessoa, persona, tantas faces, “havia poesia em tudo” talvez bastasse saber olhar... Andando pelas mesmas ruas, pelos mesmos lugares habitados imaginei sensações, os pensamentos em seus trilhos, os passos que por ali vagaram...


Melancolias das águas do Tejo e do mar, e da composição de telhados coloridos e disformes...
Sua máquina de escrever estava em uma de suas últimas casas, letras soletradas, relidas, talvez...
Imaginei o dedilhar demorado de dedos, de idéias, de desilusões de alguém que se sentia vários....conhecendo-se e recriando-se diante dos personagens que nele se abrigavam, como se fosse possível reencarnar numa só vida em vários corpos, sentimentos e delírios....acompanhar todos os movimentos da alma, como desejava Bernardo Soares o ajudante de livros...
Perdia-se, encontrava-se, caminhava como se dormisse, anestesiado de tantas experimentos dos sentidos ... Afinando-os a própria vida que nele latejava, misteriosa e ruidosa, sorrateira e tempestuosa como as ventanias que sopram as margens do Rio que se deita ao redor da Cidade para melhor vê-la. A vida sendo vista em “ si mesma, como uma grande insônia”.
Em uma de suas cartas escreveu para sua mãe, que se “ sentia torturado por uma vaga inquietação”... ao ponto de dizer que “não escrevia em português, mas a si mesmo” (p.353).
Passava pelas ruas e colhia versos, percorria os passos da poesia e com ela compunha tantos rostos, heterônimos, percorria na imaginação os lugares seus na cidade de Lisboa...
Seriam de ruas imaginadas? Como em todos os lugares, a dura realidade nelas se inscrevem, mas o poeta talvez tenha enxergado mais do que ela, tenha visto em seus ladrilhos a brisa do final de tarde, ao correr dos elétricos amarelos desenhando-se em curvas enquanto o sol se põe...
Debruçado pelas janelas fugia com o olhar e o pensar: “ personagem de dramas meus” (p. 404), fazendo paisagens com o que sentia...(p.48) numa “ autobiografia sem factos”...confessando o seu nada para dizer...em “ruas de sensações” (p.107), lendo a vida como o que fazemos dela, reconhecendo metáforas às vezes compostas por mais vida do que muita gente andando pelas ruas. Mas as viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos” diria. (p. 360). Ou: “ Quando durmo muitos sonhos, venho para a rua, de olhos abertos, ainda com o rastro e a segurança deles. (...) Bêbado de me sentir, vagueio e ando certo. Se são horas, recolho ao escritório como qualquer outro. Se não são horas, vou até o rio fitar o rio, como qualquer outro. Sou igual. E por detrás de isso, céu meu, constelo-me às escondidas e tenho o meu infinito” . (p.124).
A vida repleta de “Sensações sonos”...

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Travessuras e Travessias











Travessuras e travessias

Os dois tocaram-se com os olhos,
Eram apenas duas crianças numa manhã fria, brincando, enquanto a vida séria lá fora chamava o mundo para uma ordem, que eles desconheciam.
Dentro de si apenas existia a chama de uma quase inocência ... de seguir vivendo.
Enquanto tropeçavam na grama, corriam e arrancavam sorrisos um do outro, alguma coisa urgentemente surgia: o tempo. E com ele, vinham os anos e as marcas que desenham nos rostos traços carrancudos ou rugas de lembranças e esquecimentos. Mas, eles eram apenas duas crianças de faces rosadas e gestos leves e suaves...
Esqueciam das horas, seguravam apenas nas mãos um do outro e giravam, enquanto o parque também rodava com eles, e as flores, os pássaros, todos rodopiavam ao som da canção que somente eles escutavam, enquanto trens passavam, buzinas tocavam, pessoas chamavam...
As notas se faziam sentir, mas a melodia nem por todos era conhecida. Travessuras e travessias era o que seus passos conheciam, pisando sobre a grama ainda fria dos dias escuros do outono e das noites frias do inverno... os pés tocavam e aqueciam o inenarrável tempo, que passava e deixava vir o cheiro das flores da primavera, perfume que inundava a casa, os rios, as fotos, os quadros, que pincéis vorazes tentavam acompanhar...
O vento soprava em seus rostos, mas já não tão fortemente sobre o rio...as folhas dos livros sendo levadas, rostos do passado que não viveram...
Suas mãos seguravam os fios que teciam a narrativa do que eram... mas neles algo ignorava ou desconhecia o que se passava, apenas suas gargalhadas e sonhos saltitantes invadiam o que ainda os separava e até mesmo o tempo e a distância tinham aprendido a compreender, porque ousavam apenas serem felizes, esta era a magia da brincadeira. (20 de fevereiro 2008).

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Sopros de vida...


A vida só pode ser mesmo um sopro,
como intuiu Clarice Lispector, ao dar a um de seus livros esse nome....
Sopros de felicidade, de prazer, de alegrias...
Sopros de saudades, de ternura e poesias...
A vida só pode ser mesmo um sopro que aparece no rosto sorridente e mesmo naquele em que um lágrima cai ...
sopro que desliza no instante onde o verso inscreve a poesia, onde a música encontra a nota e onde a alma encontra ritmo....
A vida sopra onde quer ou seriamos nós?
esse é o nosso claro enigma, passo de notas de uma música ainda não tocada, só imaginada...
música que vamos compondo diante da vida... melodia que vai sendo ensaiada, emocionando a uns e outros ou não.
Notas que se inscrevem nas letras miúdas do cotidiano e que arrancam-nos de nossa placidez...
composição de ipês sendo levados pelo vento...
toque de viola no fim de tarde...
sanfona chorosa procurando o céu alaranjado ao partir do dia...
Reencontros de rostos e sinfonia de saudades que se afinam com o que carregamos na alma...

sábado, 26 de janeiro de 2008

Eu, personagem


Eu, personagem

Se eu fosse um personagem, estaria num estado letárgico, atravessando as horas, sem saber ao que elas servem, encontrando algumas coisas para preenchê-las, mas sem saber ao certo o porquê... apenas deixando-me seguir ao correr do tempo...
Carregando certa dormência diante da vida e da urgência de ser ou de pelo menos parecer ser: alguém, alguma coisa, rasurando em mim a própria idéia de que seja preciso para ter uma vida ativa, estar fazendo coisas, mesmo sem sentido só para estar em sintonia com o que quer que seja...
Se eu fosse um dos meus personagens ... estaria vagando pelas ruas em busca de um sentido, do próprio sentido da narrativa, do próprio enredo onde me segurar, como se este fosse um corrimão e eu estivesse em profunda vertigem, caindo e deixando-me cair pela caducidade do corpo, pelo envelhecimento e cansaço da alma.
Sendo um dos meus personagens, estaria tocando o vazio no escuro, estaria enfiando as mãos nos bolsos como se tivesse alguma coisa para procurar neles, estaria tentando segurar com os olhos a mirada de alguém, como se isso pudesse me salvar desse vazio que nos atropela e nos corrói por dentro.
Estando na pele de um dos meus personagens, soltos, bandoleiros, perdidos, desmemoriados ou presos na faina cotidiana, eu estaria sem memória pelas ruas, tocando os meus pensamentos como os flashes das imagens que me viessem, sem que isso me desse nenhuma garantia de memória do que quer que seja. Teria em mim, apenas os sopros gelados do vento na rua ou o calor de alguma lembrança perdida dentro de mim, sem definição de rostos ou de corpos, apenas de hologramas perdidos num quadro inexpressivo do que eu poderia ter sido.
Mas ainda que nossos rostos se encontrem no emaranhado dos espelhos, refletindo pedaços do que imaginamos ser, não somos os mesmos ... somos narrativas, linhas e versos perdidos e encontrados, na imaginação de alguém, mas a face no espelho não é a mesma e nem poderia ser... fecho a página do livro com o telefone tocando...
As páginas das realidades seguem se tocando, mas cada uma com o seu próprio enredo...