Rachel, personagem de Lygia Bojunga, um dia percebeu que tinha que encontrar um lugar para guardar as suas vontades, mas não as vontades que todo mundo pode ver e saber, para essas ela não ligava a mínima, tinha que ser para esconder dos olhos curiosos, as suas maiores vontades: a de crescer e deixar de ser criança, ter nascido garoto em vez de uma menina e a vontade de escrever. Tentou fugir, esconder-se delas, escapar dos rostos risonhos das pessoas que zombavam de suas curiosidades e de sua imaginação. Talvez, como Rachel, quantas vezes não temos que fugir de nossas vontades, entrar em conflito entre o que somos e o que esperam de nós? Esconder-nos do que somos para fugir dos olhos curiosos e dos dedos autoritários e recriminadores? Rachel procurou e encontrou um lugar para esconder suas vontades, alegrias e descobertas: a sua bolsa amarela. Mas, será que a bolsa amarela dela, serve para todo mundo? Claro que não. Cada um precisa encontrar sua própria bolsa amarela, sobretudo imaginária, para ter um lugar onde os sonhos sejam possíveis e o encantamento diante da vida, sejam válidos; Mesmo que tenhamos que ser gente grande, ter dias não tão alegres e nem muita vontade de sorrir, de sermos meninas ou meninos e que tenhamos vontade de escrever, de ser diferente, de seguir por outros caminhos. A bolsa de Rachel é o seu baú de espantos, onde ela guarda suas aventuras e conquistas de menina, onde ela guarda o brilho dos seus olhos e preserva o enigmático segredo da vida: a possibilidade de reencantar-se sempre ... ela diz:
“Comecei a pensar em tudo que eu ia esconder na bolsa amarela. Puxa vida, tava até parecendo o quintal da minha casa, com tanto esconderijo bom, que fecha, que estica, que é pequeno, que é grande. E tinha uma vantagem: a bolsa eu podia levar sempre a tiracolo, o quintal não.
Cheguei em casa e arrumei tudo que queria na bolsa amarela. Peguei os nomes que eu vinha juntando e botei no bolso sanfona. O bolso comprido eu deixei vazio, esperando uma coisa bem magra pra esconder lá dentro. No bolso bebê eu guardei um alfinete de fralda que eu tinha achado na rua, e no bolso de botão escondi uns retratos do quintal da minha casa, uns desenhos que eu tinha feito, e umas coisas que eu andava pensando. Abri um zipe escondi fundo minha vontade de crescer; fechei. Abri outro zíper; escondi mais fundo minha vontade de escrever; fechei. No outro bolso de botão espremi a vontade de ter nascido garoto (ela andava grande, foi um custo pro botão fechar).
Pronto! A arrumação tinha ficado legal. Minhas vontades tavam todas presas na bolsa amarela, ninguém mais ia ver a cara delas. ”
Bojunga, Lygia. A Bolsa Amarela. 33ª. Ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2005. P. 28-29;30-31)
Cheguei em casa e arrumei tudo que queria na bolsa amarela. Peguei os nomes que eu vinha juntando e botei no bolso sanfona. O bolso comprido eu deixei vazio, esperando uma coisa bem magra pra esconder lá dentro. No bolso bebê eu guardei um alfinete de fralda que eu tinha achado na rua, e no bolso de botão escondi uns retratos do quintal da minha casa, uns desenhos que eu tinha feito, e umas coisas que eu andava pensando. Abri um zipe escondi fundo minha vontade de crescer; fechei. Abri outro zíper; escondi mais fundo minha vontade de escrever; fechei. No outro bolso de botão espremi a vontade de ter nascido garoto (ela andava grande, foi um custo pro botão fechar).
Pronto! A arrumação tinha ficado legal. Minhas vontades tavam todas presas na bolsa amarela, ninguém mais ia ver a cara delas. ”
Bojunga, Lygia. A Bolsa Amarela. 33ª. Ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2005. P. 28-29;30-31)