quinta-feira, 25 de junho de 2009

Bolsa Amarela

Rachel, personagem de Lygia Bojunga, um dia percebeu que tinha que encontrar um lugar para guardar as suas vontades, mas não as vontades que todo mundo pode ver e saber, para essas ela não ligava a mínima, tinha que ser para esconder dos olhos curiosos, as suas maiores vontades: a de crescer e deixar de ser criança, ter nascido garoto em vez de uma menina e a vontade de escrever. Tentou fugir, esconder-se delas, escapar dos rostos risonhos das pessoas que zombavam de suas curiosidades e de sua imaginação. Talvez, como Rachel, quantas vezes não temos que fugir de nossas vontades, entrar em conflito entre o que somos e o que esperam de nós? Esconder-nos do que somos para fugir dos olhos curiosos e dos dedos autoritários e recriminadores? Rachel procurou e encontrou um lugar para esconder suas vontades, alegrias e descobertas: a sua bolsa amarela. Mas, será que a bolsa amarela dela, serve para todo mundo? Claro que não. Cada um precisa encontrar sua própria bolsa amarela, sobretudo imaginária, para ter um lugar onde os sonhos sejam possíveis e o encantamento diante da vida, sejam válidos; Mesmo que tenhamos que ser gente grande, ter dias não tão alegres e nem muita vontade de sorrir, de sermos meninas ou meninos e que tenhamos vontade de escrever, de ser diferente, de seguir por outros caminhos. A bolsa de Rachel é o seu baú de espantos, onde ela guarda suas aventuras e conquistas de menina, onde ela guarda o brilho dos seus olhos e preserva o enigmático segredo da vida: a possibilidade de reencantar-se sempre ... ela diz:

“Comecei a pensar em tudo que eu ia esconder na bolsa amarela. Puxa vida, tava até parecendo o quintal da minha casa, com tanto esconderijo bom, que fecha, que estica, que é pequeno, que é grande. E tinha uma vantagem: a bolsa eu podia levar sempre a tiracolo, o quintal não.
Cheguei em casa e arrumei tudo que queria na bolsa amarela. Peguei os nomes que eu vinha juntando e botei no bolso sanfona. O bolso comprido eu deixei vazio, esperando uma coisa bem magra pra esconder lá dentro. No bolso bebê eu guardei um alfinete de fralda que eu tinha achado na rua, e no bolso de botão escondi uns retratos do quintal da minha casa, uns desenhos que eu tinha feito, e umas coisas que eu andava pensando. Abri um zipe escondi fundo minha vontade de crescer; fechei. Abri outro zíper; escondi mais fundo minha vontade de escrever; fechei. No outro bolso de botão espremi a vontade de ter nascido garoto (ela andava grande, foi um custo pro botão fechar).
Pronto! A arrumação tinha ficado legal. Minhas vontades tavam todas presas na bolsa amarela, ninguém mais ia ver a cara delas. ”
Bojunga, Lygia. A Bolsa Amarela. 33ª. Ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2005. P. 28-29;30-31)

terça-feira, 23 de junho de 2009

Lágrimas de Vidro


O rosto brilhante parece procurar nos ruídos do silêncio o sorriso que esqueceu...
Percorre os caminhos das lembranças como se fosse possível segurar na ponta dos dedos as horas e com eles compor nascentes dias...
As lágrimas correm como se de vidro fossem os olhos e se quebrassem ao mais sutil movimento...As mãos não tocam, os gestos não vêem só resta virar as páginas no enigmático contorno das letras e da vida...